terça-feira, 20 de julho de 2010


É noite. Sinto que é noitenão porque a sombra descesse(bem me importa a face negra)mas porque dentro de mim,no fundo de mim, o gritose calou, fez-se desânimo.Sinto que nós somos noite,que palpitamos no escuroe em noite nos dissolvemos.Sinto que é noite no vento,noite nas águas, na pedra.E que adianta uma lâmpada?E que adianta uma voz?É noite no meu amigo.É noite no submarino.É noite na roça grande.É noite, não é morte, é noitede sono espesso e sem praia.Não é dor, nem paz, é noite,é perfeitamente a noite.Mas salve, olhar de alegria!E salve, dia que surge!Os corpos saltam do sono,o mundo se recompõe
.Que gozo na bicicleta!Existir: seja como for.A fraterna entrega do pão
.Amar: mesmo nas canções.De novo andar: as distâncias,as cores, posse das ruas
.Tudo que à noite perdemosse nos confia outra vez.Obrigado, coisas fiéis!
Saber que ainda há florestas,sinos, palavras; que a terraprossegue seu giro,
e o temponão murchou; não nos diluímos!Chupar o gosto do dia!Clara manhã,
obrigado,o essencial é viver!
Carlos Drummond de Andrade

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